Todos conhecem Amir Klink. A frase utilizada no título é dele, dita do alto da experiência de quem saiu da Namíbia, na África, e cruzou 3,7 mil milhas em um barco a remo até a praia da Espera, perto de Salvador (Bahia), em 100 dias. A experiência se transformou no livro “Cem dias entre o céu e o mar”, um primor de leitura: agradável, divertida, inspiradora, e portadora de valiosas lições sobre planejamento e gerenciamento.
É isso mesmo: o sujeito remou da África ao Brasil no início dos anos 1980 sem qualquer ajuda, sem barco de apoio, sem monitoramento, sem nada que já não estivesse dentro do Paratii, o seu barco a remo.
Só de pensar, mil perguntas surgem na mente: quantas horas por dia remava? Como dormia? Como, e o quê comia? Quando dormia, o barco ia para onde? E se o barco virasse? E se entrasse na rota de um navio cargueiro enquanto estivesse dormindo? E se fosse abalroado por uma baleia? Se ficasse doente? Como atravessava aquelas tempestades no meio do oceano que jogam containers no mar?
Para saber a resposta dessas e de outras perguntas, só lendo o livro.
Mas a verdade incontestável é a de que não podia remar 24h por dia. Trazendo para o plano corporativo, é algo como “impossível jogar nas onze”. Ou ainda: “quando a cabeça não pensa, o corpo (ou o bolso, no caso das empresas) é que paga”.
Sem equipe, sem plano, e sem ter gente contribuindo para o plano, o resultado redunda em naufrágio.
Amir Klink poderia ter feito o caminho de Serra Leoa ao Rio Grande do Norte em 1.500 milhas de águas quentes e tranquilas, mas preferiu fazer 3.700 milhas da Namíbia à Bahia, com tempo frio e mar agitado, porque a corrente era favorável. Assim, quando dormia e o barco ficava à deriva, não havia chance de retroceder de noite o que havia avançado de dia. Planejamento. Não deixou para pensar nisso dentro d’água, obviamente.
Se o barco virasse, automaticamente ele desvirava, como um boneco de João Bobo, graças ao projeto da embarcação localizando o centro de gravidade em um ponto estratégico. Planejamento, ajuda de gente que entende do assunto, e muitos testes antes de sair remando na costa africana.
E por incrível que pareça, muitos empresários e gestores ainda acreditam ser possível remar 24h por dia.
Na linha do planejamento e equipe, Jim Collins, no seu “Empresas feitas para vencer”, traz um resultado interessante de sua pesquisa com empresas do grupo vencedor (histórico de valor de mercado bem acima da média) em comparação com o grupo de controle (as perdedoras): no lugar de pensarem o projeto estratégico, e depois buscarem pessoas certas para cada uma das posições do projeto, elas fazem o contrário: primeiro colocam as pessoas certas no barco, depois decidem para onde seguir.
E quem são as pessoas certas? São as que dispensam motivação externa, confiam na empresa, colocam os interesses da organização na frente dos seus – ou, se isso for pedir muito, pelo menos entendem que os seus objetivos só se concretizam se a empresa primeiro alcançar os dela.
Se um colaborador precisa ser motivado para produzir, esquece. Ninguém consegue estimular outra pessoa: motivação vem de dentro, não de fora. E o discurso de que “a motivação vem da crença no projeto”, para Jim Collins – e concordo com ele – é outra balela. Na verdade, um projeto pode até motivar, mas será um incentivo em bases frágeis: se trocar ou retroceder o projeto (e isso ocorre com frequência nas empresas, afinal, ninguém tem compromisso com o erro), o sujeito desanima.
Não é esse tipo de gente que queremos nas nossas empresas. A pessoa certa está sempre animada, qualquer que seja o projeto: ela acredita é na empresa, na sua cultura e nos seus valores, não nos bônus que receberá se bater as metas.
No Brasil da CLT e da justiça do trabalho, parece utopia. Mas convido ao exercício: olhe em volta, e estou certo de que na sua empresa já há, hoje, pessoas certas. Aquelas sempre motivadas, tentando melhorar e fazer o negócio andar independentemente de promessas, promoções ou bônus.
Uma vez identificadas as pessoas certas, o exercício seguinte é multiplicá-las. Entendê-las, saber o que as trouxe até aqui, e sair em busca de gente com visão similar. E pare de tentar remar durante 24h do dia – inclua essas pessoas no projeto estratégico, planeje os próximos passos e, se não der certo, sem problema: senta com a turma de novo e muda o rumo, pois elas não vão desanimar por conta disso.