Uma das exceções para a penhora de bem de família sempre foi a fiança locatícia. O artigo 1° da Lei n° 8.009/91 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
E a mesma lei, em seu artigo 3°, elenca as exceções para a impenhorabilidade, dentre elas, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
E assim tem sido desde então, com os locadores aceitando fiadores que apresentem, como garantia, imóveis residenciais, dada a exceção da lei. E o STF, em precedentes anteriores, votou pela constitucionalidade dos dispositivos da Lei n° 8.009/91.
Contudo, em recente decisão (RE 605.709-SP), o STF admitiu o Recurso Extraordinário, sob o argumento de que os precedentes tratavam-se de fiança em locação residencial, e o caso em exame era de locação comercial. E no julgamento, por maioria, firmou-se o entendimento de que o direito de moradia, expresso no artigo 6° da Constituição Federal, se sobrepunha à impenhorabilidade. Assim, ao menos na locação comercial, há um precedente quanto à impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador.
Considerando que o direito de moradia é o mesmo, independentemente do tipo de locação em que o imóvel tenha sido dado em garantia, é possível que tal entendimento seja estendido também às locações residenciais.
O fato é que os locadores, a partir de agora, ficam inseguros quanto à aceitação de garantias, e passarão a exigir – pelo menos, é o que se recomenda após tal decisão – como garantia de fiança apenas imóveis comerciais, ou um fiador que possua no mínimo dois imóveis.
Claro que a vida dos locatários fica ainda mais complicada: se já não era fácil encontrar um fiador, agora a dificuldade aumenta.
O excesso de garantias, que a princípio parece benéfico para a sociedade, não raro atenta contra o próprio beneficiário. A dificuldade de se cobrar uma dívida acarreta, naturalmente, o aumento do preço da dívida (juros), a redução da oferta de crédito, e o que é mais comum, a conjugação das duas alternativas anteriores.
A própria impenhorabilidade do imóvel não tem qualquer sentido prático ou econômico: qual a diferença entre o cidadão A, que mora em seu imóvel próprio, e o cidadão B, que possui o valor do imóvel depositado no Banco, e utiliza o rendimento da aplicação financeira para pagar o seu aluguel? Por que o cidadão A, mesmo devedor, não pode ter o seu imóvel penhorado, e o cidadão B, por outro lado, pode perder todo o dinheiro depositado em uma penhora on line? Em qual mundo um imóvel vale mais, perante a justiça, do que dinheiro?
Ou outra: por que o imóvel do devedor vale mais do que o imóvel do credor? Sim, porque se a dívida é locatícia, tem origem na utilização de um imóvel: enquanto o locatário pode usar o imóvel do locador sem pagar, este não pode usar o imóvel do fiador para satisfazer o seu crédito. E se o locador usa tal rendimento para pagar, também ele, o aluguel do imóvel aonde mora? Com o calote do locatário e do fiador, não estaria ele prejudicado em seu direito de moradia?