O casamento sob o regime da separação total de bens ainda é cercado no Brasil por desconfianças em relação a alguns cônjuges. O brasileiro tem por característica tratar os temas da vida cotidiana de forma mais pessoal, e se o faz até mesmo em relação a assuntos profissionais, o que se dirá das decisões carregadas de forte apelo emocional, como o casamento. Tal traço de personalidade nos traz algumas vantagens no que se refere aos relacionamentos em geral, mas tira a praticidade com a qual determinados temas deveriam ser tratados de modo a facilitar a vida.
O regime da separação de bens, sob o ponto de vista prático, deveria ser o regime padrão, aquele aplicável na ausência de qualquer pacto anterior à celebração do casamento. Contudo, sabemos que o regime padrão é o da comunhão parcial. Naquele (separação de bens), os cônjuges decidem o que é de um, de outro, ou do casal, quando o relacionamento está bem, as mentes tranquilas e pensantes; nesse (comunhão parcial), terão que discutir tais querelas após o término do casamento, momento em que o discernimento de muitos se encontra comprometido.
Quando um dos cônjuges é empresário, a separação de bens evita transtornos ainda maiores: para o próprio cônjuge, seus sócios, e a empresa em si. Não à toa determinadas empresas tem por norma que os sócios – se forem casados – deverão celebrar a separação de bens, sob pena de verem-se obrigados a deixar a sociedade.
Isso porque no regime da comunhão de bens (universal ou parcial, essa última dependendo do momento de ingresso na sociedade) as quotas fazem parte do patrimônio comum do casal, e como tal, podem ser objeto de reivindicações pelo cônjuge não sócio. Tal situação já existia no Código Civil de 2002, e agora, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, cuja vigência se iniciou em janeiro/2016, a situação se tornou mais crítica.
Como está o Código Civil
O artigo 1.027 do Código Civil assim prevê:
Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.
Até aí, a previsão é de a sociedade destinar parte dos lucros ao cônjuge do sócio, enquanto o valor de sua quota não for liquidado. Claro que ter um terceiro a quem prestar contas já se mostra um incômodo. Contudo, o novo CPC trouxe novidades ainda piores.
Os artigos 599 e seguintes passam a tratar da ação de dissolução parcial de sociedade (dispositivos que não existiam no antigo CPC). O art. 600, parágrafo único, estabelece o seguinte:
Art. 600. A ação pode ser proposta:(…) Parágrafo único. O cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio.
Ou seja, a sociedade pode ver iniciada contra si uma ação de dissolução parcial proposta por um terceiro que sequer é sócio, na verdade, o cônjuge de um sócio, com todos os desdobramentos inerentes a esse tipo de procedimento, tais como: a avaliação fria de um perito judicial quanto aos haveres do sócio; a obrigação de privar-se de caixa, ou desfazer-se de ativos para o pagamento do cônjuge; os custos do processo judicial, contratação de advogados, peritos, assistentes técnicos etc.; a diluição da participação daquele sócio frente aos demais após a dissolução; dentre outros.
Uma dissolução parcial envolve, necessariamente, a redução do patrimônio social. Tal fato pode impedir a participação em determinadas licitações, reduzir capacidade de investimento, reduzir potencialidades de participações em certos empreendimentos, além do que, a venda de ativos por determinação judicial não costuma encontrar o melhor momento de mercado, fazendo com que a operação fatalmente acarrete prejuízos.
A avaliação da empresa por um perito judicial pode culminar em distorções: valores superiores aos reais (prejudicando a empresa) ou inferiores (prejudicando o sócio). Trata-se ainda de processo custoso, o qual demanda a contratação de profissionais especializados e caros, bem como o investimento de muitas horas de trabalho por parte da administração da sociedade (mais custo) para suprir as demandas de informações.
Por fim, todo esse imbróglio, mais a diminuição da participação remanescente do sócio, pode acarretar a quebra do affectio societatis, sobretudo em sociedades pequenas (mais de 90% das empresas existentes no Brasil, segundo dados do Sebrae), pondo em risco até mesmo a continuação da empresa.
Fica nítido que tais questões não devem ser ignoradas pelas empresas, empresários, e nubentes em geral, sob pena de criarem consequências e efeitos indesejáveis.