Recentemente, através de convênios entre o Banco Central e os Tribunais espalhados pelo País, chamados de “Bacen-jud”, tornou-se possível a qualquer juiz o bloqueio on-line de valores em contas correntes de devedores cobrados em juízo. Mas como funciona o sistema?
Quando existe uma dívida qualquer, ela pode ser cobrada em juízo. Se o credor possui um título executivo demonstrando essa dívida (cheque, nota promissória, termo de confissão de dívida etc.), ele entra na justiça com uma ação de execução, onde o juiz determina que o devedor pague o débito em 24h, ou ofereça bens no valor do débito para poder discutir a existência ou não da dívida. É o que se chama Embargos de Devedor. Ou seja, aquele que sofre uma execução, mesmo que injusta ou excessiva, deve primeiro garantir o valor que lhe é cobrado (oferecendo bens à penhora, ou depositando a quantia em juízo), para depois apresentar as razões pelas quais não é devedor daquela importância. Se o credor não tiver o chamado título executivo, ele deve entrar primeiramente com uma ação de conhecimento, que como o nome ajuda, permitirá ao juiz conhecer da matéria, verificar se o credor possui mesmo o direito, e depois decidir através de uma sentença. A sentença é então o título executivo – agora, judicial – que permitirá ao credor iniciar o trâmite acima de cobrança.
Ocorre que muitas vezes a cobrança é injusta, a dívida é inexistente, e por um motivo ou outro, um inocente pode figurar como devedor. Vamos pegar um exemplo na cobrança de tributos. Dois sócios vendem sua empresa para terceiros, transmitindo, obviamente, o Ativo (direitos, bens em geral) e o Passivo (dívidas e obrigações em geral) da mesma. Dentro o Passivo existia um parcelamento de tributos. Nada mais normal. Ocorre que os novos donos deixam de pagar o parcelamento. E depois de um período de dificuldades, fecham a empresa sem pagar qualquer credor, inclusive o Governo. O que acontece? A Procuradoria entra com uma execução fiscal para cobrar os tributos. Tentar-se-á citar a empresa, mas pelo fato de a mesma estar fechada, será entendido pelo juiz que houve uma dissolução irregular, pois credores ficaram sem receber seu valor, e não foi requerida a falência da empresa pelos sócios. Havendo dissolução irregular, presume-se a fraude, o que autoriza a desconsideração da pessoa jurídica, e a execução dos sócios em seus bens particulares. Ocorre que a Procuradoria tem o entendimento torto e errôneo de que os responsáveis pelo pagamento do débito são os sócios existentes na época do fato gerador do tributo, ou seja, se é o parcelamento que está em aberto, os sócios que devem pagar são aqueles que integravam a empresa antes da referida venda. Esse entendimento está errado, pois a fraude, no caso, foi a dissolução irregular, e não a inadimplência do tributo. Inadimplência não é fraude, sonegação sim. E se havia parcelamento, não havia sonegação, mas mero inadimplemento. Ou seja, a fraude foi cometida pelos novos sócios, e não pelos antigos. Contudo, serão os antigos que figurarão na execução como co-devedores.
Nesse caso, serão citados para pagar a dívida em cinco dias (nas execuções fiscais o prazo para pagamento é mais largo), ou oferecerem bens à penhora. Ou seja, para demonstrarem a sua inocência terão que depositar a quantia, ou oferecer bens à penhora. Digamos que prefiram oferecer bens, para não perderem capital de giro aplicado em outros negócios, ou reservas financeiras para períodos de dificuldade. Em muitos casos, os juízes não aceitam os bens, e dão ordem de bloqueio através do Bacen-jud em busca do valor cobrado diretamente nas contas-correntes dos supostos devedores. Isso se dá pelo fato de que na lei processual, dinheiro tem preferência sobre outros bens na ordem de penhora. Contudo, esses juízes ignoram também o princípio de que a execução deverá se dar da forma menos gravosa para o devedor. E assim, valores são bloqueados sem que o suposto devedor sequer seja avisado com antecedência do caso.
Na justiça do trabalho os desmandos então são potencializados! Na justiça do trabalho muitos juízes passam por cima de todas as regras processuais para satisfazer o crédito do trabalhador. Entendemos que o trabalhador precisa e deve receber o que lhe é de direito, contudo, sem ofensa à lei. A simples ausência de bens penhoráveis na empresa, acarreta o bloqueio de contas. Em muitos casos, até existem bens penhoráveis (imóveis, veículos, máquinas), mas o juiz trabalhista ignora tudo isso e busca as contas correntes sem qualquer defesa prévia. Caso as contas não possuam valores para bloqueio, os juízes determinam o bloqueio nas contas dos sócios sem qualquer citação ou intimação prévia, da mesma forma. Uma verdadeira ofensa a todos as garantias individuais pelas quais se lutou até chegarmos ao atual Estado Democrático de Direito.
Imaginemos ainda o exemplo em que uma pessoa de má-fé forja uma nota promissória, falsifica sua assinatura, e ingressa com uma execução. Para provar que aquela assinatura é falsa, o que demanda perícia, o suposto devedor terá valores bloqueados em contas correntes, valores esses que podem ali estar para outros fins, como aplicar em um negócio, adquirir um imóvel etc.
Ou seja, de tudo isso se conclui que ninguém está livre de um determinado dia tentar sacar valores em um caixa eletrônico, ou pagar uma conta no supermercado com o cartão de debito, e receber a notícia de que todo o seu dinheiro está bloqueado.
A imperfeição não está no Convênio Bacen-jud, mas na aplicação equivocada e arbitrária que muitos juízes fazem do mesmo. Contra essas mazelas cabem os recursos previstos nas leis processuais, e, dependendo do caso, o Mandado de Segurança.
O alerta serve, contudo, para que as pessoas de um modo geral, e sobretudo os empresários, procurem meios lícitos de proteger seus recursos contra esses desmandos. Algumas sugestões: manter valores em contas correntes declaradas em bancos no exterior, os quais não estão sujeitos ao Bacen-jud; administrar todo o seu patrimônio através de empresa especificamente aberta para esse fim, no Brasil ou no Exterior, e, sobretudo, ter assessores jurídicos competentes tanto para prevenir, quanto para remediar situações como essas.