O balanço contábil tem por objetivo, dentre outros, mostrar a posição patrimonial de uma empresa. Deve ser um relatório de fácil leitura para sócios e investidores, espelhando não uma visão puramente formal, mas a realidade experimentada por aquele negócio. Do contrário, perde-se uma de suas principais funções: prestação de contas/transparência da administração (a chamada governança), e a atração de investidores.
A Lei 11.638/2008 trouxe para o Brasil o padrão internacional de contabilidade (em inglês, International Financial Reporting Standards – IFRS), modificando normas relativas à escrituração contábil presentes na Lei 6.404/76 (Lei das S/A). O objetivo foi fazer com que a contabilidade e o balanço das empresas brasileiras adotem a mesma apresentação das demais empresas do mundo. Em sequência à adoção do novo padrão, normas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foram publicadas de forma complementar. A mudança de padrão de contabilização gerou dúvidas quanto à tributação, e por conta disso foi promulgada primeiro a Lei 11.941/2009, criando um regime de transição, e depois a Lei 12.973/2014, cujas regras possuem a função de neutralizar os impactos tributários da Lei 11.638/2008.
Dentre as determinações do novo padrão contábil está a obrigação dos Ajustes a Valor Presente e a Valor Justo nos balanços. Tratam-se de ferramentas bem simples de se compreender, e como os nomes ajudam, é (i) o primeiro caso um ajuste na contabilidade trazendo obrigações a receber ou pagar com prazo superior a um ano para valor presente (descontando os encargos naturalmente embutidos em seus valores em razão do prazo de vencimento), e (ii) o segundo caso, um ajuste no valor de ativos para equipará-los aos seus valores de mercado, quando estão os mesmos contabilizados por valores acima ou abaixo da realidade.
Ajuste a Valor Presente (AVP)
O Ajuste a Valor Presente está disciplinado no Pronunciamento Técnico CPC 12, aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade e pela CVM, onde se indica os procedimentos para o seu cálculo.
Segundo o CPC 12, “São sujeitos a ajuste a valor presente todos os realizáveis e exigíveis que tenham sido negociados ou determinados sem a previsão de encargos ou rendimentos financeiros. Mas são também passíveis de ajuste a valor presente os que tenham sido negociados ou determinados com previsão de encargos ou rendimentos financeiros, mas com taxas não condizentes com as prevalecentes no mercado para as condições econômicas do momento e os riscos das entidades envolvidas“.
Em resumo, devem ser ajustadas as dívidas ou créditos a prazo nos quais não haja a determinação explícita dos encargos financeiros. Se uma venda foi efetuada com prazo de recebimento de 90 dias, deve o seu valor ser ajustado para a data do balanço, e a diferença lançada como despesa financeira. Na mesma linha, se uma compra possui prazo de pagamento de 90 dias, deve a obrigação ser ajustada para a data do balanço e a diferença lançada como receita financeira. Também devem ser ajustadas dívidas ou créditos nos quais os encargos financeiros sejam muito superiores ou inferiores aos usualmente usados no mercado, como, por exemplo, nos financiamentos do BNDES.
O ajuste deve ser efetuado com a utilização de taxas de juros efetivas de mercado, e devem ser objeto de notas explicativas no balanço.
A Lei tributária não obriga a realização dos ajustes; ao contrário, a Lei 12.973/2014 (artigos 5°, 6°, 10, dentre outros) os neutraliza. Assim, tais receitas ou despesas financeiras não terão qualquer impacto na apuração dos tributos, a qual se dará como se os mesmos não tivessem ocorrido.
Para as empresas de capital aberto, os ajustes são obrigatórios, e a sua não observância acarreta penalidades previstas pelo órgão regulador, a CVM.
Nas empresas de capital fechado, embora obrigatórios sob o ponto de vista formal, a inobservância dos ajustes não trará penalidades imediatas. Claro que eventual inexecução de uma norma contábil pode gerar responsabilização dos administradores se através da omissão algum prejuízo foi causado a terceiros (sócios, investidores, bancos, mercado em geral). Na prática, contudo, considerando o baixo potencial de tal omissão, e a subjetividade existente na fixação dos parâmetros para os ajustes, muito raramente alguém será penalizado por isso.
Uma boa motivação, no entanto, para a utilização do ajuste será dar transparência às demonstrações contábeis. Outra motivação, essa provavelmente a mais instigante para os administradores das empresas, será melhorar a situação patrimonial da sociedade nos casos em que a sua realização criar mais receitas do que despesas financeiras, melhorando o resultado e aumentando o patrimônio líquido.
Ajuste a Valor Justo – AVJ
O Ajuste a Valor Justo está disciplinado no Pronunciamento Técnico CPC 46, aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade e pela CVM, onde se indica os procedimentos para a sua mensuração.
Segundo o CPC 46, “O valor justo é uma mensuração baseada em mercado e não uma mensuração específica da entidade. Para alguns ativos e passivos, pode haver informações de mercado ou transações de mercado observáveis disponíveis e para outros pode não haver. Contudo, o objetivo da mensuração do valor justo em ambos os casos é o mesmo – estimar o preço pelo qual uma transação não forçada para vender o ativo ou para transferir o passivo ocorreria entre participantes do mercado na data de mensuração sob condições correntes de mercado (ou seja, preço de saída na data de mensuração do ponto de vista de participante do mercado que detenha o ativo ou o passivo)”.
Em outras palavras, é o ajuste no valor de um ativo da sociedade trazendo-o do valor contábil (defasado ou sobrevalorizado) para o valor de mercado, entendido como o considerado para uma transação não forçada, ou seja, em condições normais e levando-se em conta sua condição, localização, restrições de uso etc.
Mais uma vez, há certo grau de subjetividade na definição do valor justo, sobretudo quando o CPC 46 assim indica: “A entidade deve mensurar o valor justo de ativo ou passivo utilizando as premissas que os participantes do mercado utilizariam ao precificar o ativo ou o passivo, presumindo-se que os participantes do mercado ajam em seu melhor interesse econômico”.
Tudo o aqui mencionado para o AVP, aplica-se ao AVJ: a lei 12.973/2014 neutralizou os seus impactos tributários, sua não observância traz penalidades imediatas para empresas de capital aberto e não para as de capital fechado, e sua adoção importa em melhoria da governança.
Cabe destaque o fato de que aqui a motivação dos administradores em utilizá-lo será maior do que o AVP. A correção monetária de balanços está extinta desde 1995; as regras de depreciação (e os benefícios tributários dela advindos) não raro reduzem os valores dos ativos em período inferior ao de sua efetiva vida útil; o Brasil experimentou nos últimos 20 anos – e a despeito da crise atual – significativa valorização no ambiente econômico, sobretudo no mercado imobiliário, mas também em máquinas, equipamentos e outros bens; tais fatores indicam que há um largo espaço para criação de valor nos balanços através de meros ajustes.
E o melhor de tudo: o AVJ aumenta o valor dos ativos, aumenta o patrimônio líquido, mas não sofre tributação. Sua expressão fica alocada em uma conta contábil no Patrimônio Líquido a qual somente se oferecerá à tributação quando de sua realização (o que já ocorreria normalmente, visto que na alienação de qualquer bem, eventual ganho de capital integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL).
Maior transparência e atração para investimentos
Como pode observar, mostra-se evidente a conveniência de utilização dos Ajustes a Valor Presente e a Valor Justo: torna a contabilidade e a gestão da empresa mais transparente e atrativa para investimentos, empréstimos, financiamentos e todo o tipo de aportes de terceiros.
Não há impactos tributários, neutralizados pela Lei 12.973/2014, e nem penalidades dessa natureza em caso de sua inobservância.
Admite-se certa subjetividade na definição de seus parâmetros de mensuração, as quais deverão estar indicadas em notas explicativas nos balanços.
Na maioria dos casos, considerando as características da economia e da legislação brasileiras, a sua adoção “criará” valor nos balanços sem o ônus da tributação. Isso significa: aumento do patrimônio líquido e consequente valor do investimento dos sócios, aumento de garantias para financiamentos, justificativa para integralização de capital com ágio, dentre outras benesses.